domingo, junho 03, 2007

Capítulo I – A manhã de um dia diferente (4ª parte)

(...) Os amigos tinham sido esquecidos. Já não o eram de verdade. Apenas conhecidos ou amizades de fachada. Apenas circunstanciais e muitas vezes completamente falhas de conteúdo.
Pela primeira vez naquele dia, reagiu com indiferença à voz que o alertava “É hoje…”. Estava demasiado absorto na sua análise onde se consumia por verificar que se estava a tornar em tudo aquilo que não queria.(...)


Capítulo I – A manhã de um dia diferente (4ª parte)

(...)
A muito custo se deixou distrair novamente com as pessoas, com os seus tiques, com os seus defeitos e as suas coisas estranhas. Uma vez mais parou num seu raciocínio e surpreendeu-se. Deu por si a criticar tudo e todos nas pessoas que via. Coisas pequenas e grandes. O cabelo ou a falta dele. A gravata ou a sua ausência. A mala, os sapatos. Ora porque falavam alto demais ou porque não se ouviam de todo. Porque olhavam fixamente ou porque desviavam o olhar. Ou porque eram gordos ou porque eram magros.
E não gostou. Não gostou de ser assim. Não se identificou consigo. Saiu do seu corpo. Olhou de fora. Chamou-se arrogante. Arrogante e estúpido.
Não tinha qualquer necessidade de pensar daquela maneira. Todos têm direito a ser como são… e já bem basta o facto de terem que lidar com as suas próprias imperfeições. Não precisam, nem merecem as críticas alheias.
Deu por si a concluir que tudo aquilo que criticava, poderia identificar em si mesmo… que o ser humano tem tendência para criticar tudo aquilo que não gosta em si mesmo. Ou seja, os seus receios, medos, frustrações e angústias. Critica, nos outros, tudo aquilo com o qual não consegue lidar.
Depois disto, assustou-se e ficou triste. Percebeu que ele próprio tinha um sem número de receios, medos, frustrações e angústias não resolvidas, por resolver ou sem resolução. Achou-se novamente pequeno. Pequeno e mesquinho. Corroído num egoísmo podre e invejoso, provocado pela ansiedade de agradar aos outros antes de se sentir bem consigo próprio.
Lá fora, o mesmo verde do cenário que há momentos servia para o elevar num sentimento de grandiosidade… servia agora como mero pano de fundo onde, separado por uma janela, se via longe daquela tela bonita. Arredado pela sua própria ignorância.
Sentia-se cinzento, sujo. As lágrimas teimavam em querer aparecer. Dificilmente as conseguia suster. Fechou os olhos. Do nada, sentiu uma mão passar no cabelo. Um carinho. Exactamente naquele momento especial em que precisava de uma mão amiga. Abriu de pronto os olhos e olhou em redor. Não viu ninguém. Percebeu que não era mesmo ninguém… ninguém mais do que apenas o seu maior amigo, aquele que nunca o abandonara. Era simplesmente o seu próprio reconforto, a sua própria segurança e a certeza de que, antes de tudo o resto, ele tinha que gostar de si mesmo. Tinha que ser o seu primeiro amigo. Esse amigo sorriu-lhe, deu-lhe a mão e sussurrou-lhe ao ouvido…. “É hoje…”

(to be continued…)

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